O diabo na rua, no meio do redemoinho

Escrevi este artigo para este site, mas como estou relendo – e é preciso reler sempre – GRANDE SERTÃO:VEREDAS achei oportuno republicá-lo como uma homenagem ao querido escritor mineiro. Mas deixemos de explicações e vamos ao artigo.

Em diversos momentos da obra de Guimarães Rosa está presente a viola. Em GRANDE SERTÃO:VEREDAS, ela é o único instrumento musical que encontramos na narrativa de Riobaldo, o personagem principal masculino: “…sem qualquer preocupação de determinação característica, mas apenas a da alegria de seu som e de sua mágica tradição no interior do Brasil – instrumento dos homens, dos santos e do Diabo”, como diz Leonardo Arroyo em seu livro A CULTURA POPULAR EM GRANDE SERTÃO:VEREDAS.

É “dos Santos”, pois era tocando viola que São Gonçalo do Amarante convertia as mulheres e (ou) as instruías nos jogos e delícias amorosas.  Este Santo, pelo visto um tremendo sábio ou sabido, o que dá no mesmo, se tornou culto entre as mulheres solteiras e casamenteiro dos bons.

                      São Gonçalo do Amarante
                      É feito de mel e azeite.
                      Dae-me lá na vossa cama
                     Um logar d’onde me eu deite.  (Recolhida por J. Leite de Vasconcelos)
                                             Ou
                        Casai-me, casai-me,
                        São Gonçalinho
                       Que hei de rezar-vos
                       Amigo Santinnho        (Recolhida por A.Tomás Pires)
Também nas festas de Santos Reis é comum o chorar da viola.  São Benedito, provavelmente, também tocava viola já que ele é um santo dado aos hábitos do povo
                        Meu São Benedito
                        É Santo dos preto
                        Ele bebe cachaça
                        Ele ronca no peito…?

A VIOLA é “do diabo”: “quando se ouve tocar viola alta noite, é o Demo que o está fazendo”. E, segundo versão recolhida no interior de São Paulo, o Diabo passa ao violeiro seu virtuosismo, em troca de sua alma.

A VIOLA é dos homens, porque é o homem que a constrói com suas mãos. É do coração dos homens que nasce essa música que atravessa os sertões, as montanhas, os rios e as florestas como testemunho do sentimento de nossa gente pobre e rica, alegre e triste mas, principalmente, forte, generosa, bonita.

É dos homens, também, porque já foi vítima do preconceito deles e até usada como instrumento de acusação, como nos mostra esta deliciosa história narrada pelo já mencionado Leonardo Arroyo: “Nos últimos dois anos da gestão do Presidente Washington Luís começou este a manobrar a sucessão para seu amigo Júlio Prestes. Um anônimo de Itapetininga, terra da família Prestes, redigiu um volante, à máquina, distribuindo-o em São Paulo com data de l6/10/1928. Nele arrolava oito membros da família, com seus defeitos e vícios. O último da lista era Maneco Prestes, cujo maior defeito, entre outros dois, era este: tocador de viola.”

Em diversos trechos de GRANDE SERTÃO:VEREDAS Riobaldo fala do instrumento e, finalmente, descobrimos que ele conhecia as famosas viola de Queluz (hoje, Conselheiro Lafaiete) município mineiro que chegou a ter l5 fábricas violeiras:  “Sossego traz desejos. Eu não lerdeava; mas queria festa simples, achar um arraial bom, em feira-de-gado.  Queria ouvir uma bela viola de Queluz, e o sapateado de pés dançando.”

Mas esta é apenas uma crônica, apenas um grão na poeira do redemoinho.  Quem quiser sentir mais fundo a viola nesse grande autor brasileiro, é só pegar sua obra que logo sentirá os sons.  Pois Guimarães Rosa é som de VIOLA. Ele nos convida a ser brasileiros, a pensar o país…

“Ouvindo uma violinha tocar, o senhor se lembra dele. Uma musiquinha até que não podia mais ser dançada – só o debulhadinho de purezas, de virar-virar…”

Autor: Braz Chediak

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