Catulo, o galo seresteiro do sertão

10 de maio de 1946. As ruas do Rio de Janeiro estão silenciosas. As pessoas falam em voz baixa, os verdureiros não cantam seus pregões, os passageiros dos bondes cochicham, comovidos, as últimas notícias. Das grã-finas do society às lavadeiras que descem os morros para entregar as roupas nos quartéis; do bacharel em direito ao menino que decora sua cartilha na janela, a emoção é a mesma. Homens, mulheres e crianças sentem a morte de Catulo da Paixão Cearense.

Da Capela Santa Terezinha, na Praça da República, até o Cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi, o povo se aglomera para dar-lhe adeus. Os pais colocam seus filhos nos ombros para sauda-lo. Mulheres choram. As bandeiras, a meio pau, entristecem mais a paisagem, o comércio abaixa suas portas, e a Banda do Corpo de Bombeiros, à frente do cortejo, executa a marcha fúnebre.

Em pouco tempo o Brasil inteiro canta, soluçante:

Não há, oh gente
oh não, luar
como esse do sertão

Filho do ourives Amâncio José da Paixão Cearense e de Maria Celestina Braga Paixão, Catulo nasceu em São Luís do Maranhão em 8 de outubro de 1863 e, ainda criança, acompanhando os pais, mudou-se para a fazenda dos avós, no sertão do Ceará. Talvez seja nesse momento que surgiu seu interesse pelas coisas da terra, pelo linguajar típico do sertanejo, pelo sentimento exacerbado em suas letras e melodias. Catulo estuda flauta, instrumento que o seguiria até aos 17 anos.

Nesta época a arte brasileira é fortemente influenciada por Paris, a “Cidade Luz” e nossos intelectuais se vestem e se comportam de maneira afrancesada. O violão é marginalizado, considerado “instrumento de vagabundo” e seus cultores, junto com capoeiras e prostitutas vivem à margem.

Em 1880 Catulo muda-se para o Rio de Janeiro com seus pais e dois irmãos. Seu pai se estabelece como relojoeiro na rua São Clemente, em Botafogo, e mantém o sustento da casa e do jovem Catulo que continua seus estudos.

Na cidade fervilham os intelectuais, boêmios, atrizes, cocotes, prostitutas, etc. E o jovem, que sempre gostou da boêmia, encontra ali seu meio, seus pares.

Freqüenta teatros, repúblicas de estudantes, cafés. Conhece violonista Anacleto de Medeiros, o cantor Cadete, o flautista Joaquim Callado e, trocando a flauta pelo violão – para espanto de muitos – começa a carreira que o levaria a ser “o maior criador de imagens da poesia brasileira”, no dizer de Mário de Andrade.

Mas, com a morte de sua mãe pouco tempo depois de chegar ao Rio, e de seu pai três anos depois, Catulo é obrigado a ganhar seu próprio sustento e começa a trabalhar no cais do porto, como estivador. É um trabalho duro, pesado. Mesmo assim continua sua vida de poeta e seresteiro.

Muito mulherengo, suas aventuras amorosas escandalizam. Beberrão, gastador, vive o dia a dia e se torna figura conhecida no meio intelectual e boêmio da Capital da República E em 1908, a convite do Maestro Alberto Nepomuceno, dá um concerto de violão que mudaria para sempre os padrões da cultura brasileira. A modinha é assobiada e cantada nas ruas e conquista a chamada “classe alta”.

Beberrão, gastador, passou o final de sua vida num barracão de madeira na rua Francisca Meier, no Engenho de Dentro, hoje Rua Catulo da Paixão Cearense. Ali recebias seus amigos, como o escritor Monteiro Lobato, e ali morreu, pobre, sem receber nada por sua obra cujos direitos autorais foram vendidos por preço irrisório.

Ontem ao Luar, Caboca di Caxangá e Luar do Sertão, são obras imortais de nosso cancioneiro.

Catulo da Paixão Cearense, além de violeiro – ou violonista – foi poeta, inovador e, principalmente, um homem que valorizou sua terra e soube compreender o sentimento de sua gente. Catulo da Paixão Cearense, maranhense, brasileiro, universal.

 

Autor: Braz Chediak

 

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