A Narceja

Ao escrever uma matéria para este site, refletindo sobre nossa língua portuguesa, tão massacrada pela maioria do povo, tão acariciada pelos poetas e cantadores, lembrei-me de que um dia ouvi um velho caçador, orgulhoso ao contar suas proezas, dizer:

– Matei uma narceja!

Aquela palavra, bonita, sensual, ficou gravada na minha memória e só muito tempo depois é que vim a saber que narceja é uma pequena ave de dorso escuro, cabeça preta, sobrancelhas amarelas que vive, ou vivia, em nossos brejos. E desde então fiquei curioso para vê-la. Imagino-a pelas descrições dos dicionários mas, a vero, não sei como é uma narceja. Eu nunca vi uma narceja. Acho que quem está lendo esta crônica também não sabe como é uma narceja. Como não saberão, talvez as novas gerações.

As aves e os animais estão sendo extintos por nós, ou através dos tiros e de armadilhas covardes ou pela omissão com que tratamos o planeta, e chego à conclusão que com a morte de uma narceja morre também uma palavra. E morrendo uma palavra morre a língua, morre a cultura, morre a Pátria.

Recordo-me que, há muitos anos, numa aula de português, quando ouvi pela primeira vez o soneto LÍNGUA PORTUGUÊSA, de Bilac, fiquei emocionado. E ainda hoje me silencio quando o ouço:

 

“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura.

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”

E agora, relendo-o, penso em todo esse grandioso e imenso país chamado Brasil, penso em nossa fauna, nossa flora, nossos rios. E em todas as narcejas assassinadas. O país é nossa casa e temos que preservá-lo limpo e em paz. E para conquistarmos esta paz temos que lutar pelo que é nosso. Temos que lutar por nossas violas, rabecas e zabumbas. Temos que lutar pelo canto dos pintassilgos e pelo pio das narcejas, pelas flores dos ipês e pelo brilho prateado das embaúbas. Temos que lutar por nossa gente, por nossas lendas, por nosso folclore, por nossa história. Temos que lutar por nossa arte e pelos mensageiros desta arte. E sempre, sem omissão.

Aquele velho caçador, um dia, matou uma narceja. Mas nós, se nos omitirmos, mataremos todas as narcejas, pois estamos deixando morrer nossa língua e nossa língua é nossa Pátria.

Autor: Braz Chediak

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